Conferência Seara Nova: "A Democracia está em perigo?"

Nº 1722 - Inverno 2012
Publicado em 90 anos Seara Nova por: J. C. (autor)

A última das Conferências Seara Nova promovidas durante o ano 2012 para assinalar os 90 anos da revista realizou-se na Associação 25 de Abril no dia 24 de Novembro com a participação de José Medeiros Ferreira e Víctor Dias, dois prestigiados democratas e resistentes antifascistas que foram convidados pelo Conselho de Redactorial para exporem as suas ideias sobre um tema que preocupa seriamente um número crescente de cidadãos: será que a nossa Democracia está em Perigo? Será que é compatível com um genuíno regime democrático a política do governo claramente reaccionário, que está a pôr em causa a própria soberania nacional e que cria sistemática e deliberadamente gravíssimos problemas ao País com a aplicação de medidas de austeridade de tal dimensão que faz abater sobre a generalidade da população, sobre a classe trabalhadora, os jovens, as mulheres, sobre a classe média, uma intolerável violência social? Quando os princípios e valores democráticos são desprezados pelo governo submisso à troika constituída por funcionários técnicos do Fundo Monetário Internacional, do Banco Central Europeu e da União Europeia em detrimento dos verdadeiros interesses nacionais, sem que se vislumbre a mínima intenção governamental de se opor ao vexame de obedecer àqueles representantes dos meios capitalistas internacionais e às ordens da chanceler alemã sem que se apresente um programa, mínimo que seja, que vise o desenvolvimento económico, quando mais de meio milhão de portugueses estão desempregados, ao mesmo tempo que se envereda determinadamente pela destruição do Estado Social, será que a Democracia resiste, está saudável? Será que se pode afirmar que a Democracia está bem radicada na sociedade quando a corrupção grassa e parece ser faceta integrante do Poder, quando se repetem acções arbitrárias e de autoritarismo, se depara com generalizada ausência de cultura democrática entre os dirigentes políticos, de notória mediocridade, e normas constitucionais são desrespeitadas enquanto o poder económico e financeiro controla o poder político, e quando um crescente de cidadãos olha com desconfiança para as instituições cada vez mais desacreditadas e começa a descrer no nosso sistema político? Há razão para estarmos tranquilos quanto ao futuro do regime democrático?

Esta problemática foi colocada a Medeiros Ferreira e a Víctor Dias que aceitaram expressar o seu pensamento perante uma vasta e atenta assistência.

A reunião foi moderada pelo novo Director da Seara Nova, Levy Baptista, que foi apresentado por Herberto Goulart membro do Conselho Redactorial, que pôs em destaque as qualidades profissionais, ética, morais, culturais e políticas de Levy Baptista personalidade sempre respeitada em todos os meios em que se movimentou e do qual se aguarda um bom desempenho nas funções que ora assumiu na Revista. Numa breve alocução, o moderador, teceu considerações muito críticas à acção governamental e à enormidade dos problemas com que os portugueses são confrontados. Salientou o facto dos valores de Abril estarem a ser claramente violados não só por governantes incompetentes e sem escrúpulos, mas também por representantes dos meios capitalistas escolhidos pelo governo para criarem as condições objectivas e mais favoráveis para a entrega a grupos económicos e financeiros internacionais de empresas estratégicas do Estado. Referiu outros aspectos inquietantes que afectam a normalidade democrática com destaque para o Estado Social que o governo está disposto a desmantelar fomentando, ainda, uma extensa instabilidade social de que é reflexo a imensa onda de desempregados além do encerramento de micro, pequenas e médias empresas como consequência directa da acção governamental.

Ao mesmo tempo considerou inadmissível como que direitos inalienáveis consagrados na Constituição (Levy Baptista, como deputado Constituinte foi um dos fundadores da nossa lei fundamental) como os respeitantes aos direitos do trabalho, à habitação, à saúde, ao ensino estejam a ser torpedeados.

Para o nosso Director, vale não está, apenas, a derrubar o Estado Social, está a concorrer decisivamente para destruir o próprio Estado democrático pelo que considera essencial a continuidade da luta das populações contra o governo a sua política neoliberal vergada a interesses que efectivamente nada têm a ver com os do Portugal democrático que urge preservar e defender.

Entende Levy Baptista que, na realidade, a Democracia corre sérios perigos e que os cidadãos têm o direito legal a responsabilizar criminalmente os governantes e outros titulares de cargos políticos que, pela sua actuação, violem preceitos legais e constitucionais.

Levy Baptista debruçou-se ainda sobre o comportamento de países que pretendem enveredar por um federalismo europeu que, espera, venha a sofrer um longo adiamento e acentuou que, no tocante à construção União Europeia há cada vez mais cepticismo entre os Povos referiu que quarenta por cento dos europeus têm uma opinião negativa em relação a moeda única, ao euro, e congratulando-se pelo facto de se registarem amplas movimentações populares e greves contra a situação indigna que se vive em Portugal e que deu origem a que, em pelo menos vinte países europeus, milhões de cidadãos, de trabalhadores, de sindicalistas também se manifestassem no mesmo dia em greve geral ocorrida em Portugal.

Finalmente e antes de dar a palavra aos oradores, e apesar da sua profunda preocupação pela situação antidemocrática, manifestou a sua satisfação pelo facto de durante as manifestações se ter voltado a entoar e a repetir o slogan, " O Povo Unido Jamais Será Vencido" e a patriótica composição musical de Lopes Graça, com poema de José Gomes Ferreira, «Acordai» o que, na sua opinião, demonstra que os portugueses estão dispostos a não se deixar vergar aos desígnios anti-democráticos do governo e da troika capitalista europeia.

Vingativo Ajuste de Contas

Deu-se, então, início à Conferencia tendo Víctor Dias, ao referir-se ao tema proposto - A Democracia em Perigo? - ter adiantado que «só aparente e ligeiramente podia ser considerado exagerado». Na sua opinião "trata-se, na realidade, de uma pergunta inteiramente justificada pelas dramáticas perspectivas que a continuação da actual política governamental coloca no horizonte da vida nacional".

Na realidade prosseguiu, a pergunta é igualmente pertinente quer consideremos como «democracia» aquela mais densa, rica e completa que configura o regime democrático consagrado na Constituição e resultante do processo da Revolução de Abril, quer mesmo que se considerasse apenas uma visão ou concepção mais pobre ou menos exigente da democracia».

Vitor Dias

Vitor Dias

Quanto à primeira, destacou que, «depois de sucessivos empobrecimentos e lesões, assistimos hoje a uma política governamental absolutamente no limbo (melhor dizendo, em antagonismo com) da legalidade constitucional» no quadro do que apelidou de «exploração da crise como pretexto para um vingativo ajuste de contas com as principais aquisições socioeconómicas da revolução de Abril.» Quanto à segunda - a visão menos exigente da democracia - considerou que até ela pode estar em risco por força de «desenvolvimentos políticos decorrentes da crise social cujo carácter e orientação ninguém seriamente pode prever neste momento».

Victor Dias considerou fundamental para o exame desta questão ter em conta que «o que se desenha, a não ser urgentemente detida e derrotada esta política, e o mais grave e sobretudo mais súbito processo de retrocesso social e empobrecimento na sociedade portuguesa desde há 80 anos» e que «o que se perfila é muito pior do que a soma das piores previsões parciais porque estas não exprimem a complexa realidade e consequências do encandeamento dos factores económicos e sociais e das suas dramáticas repercussões na vida do conjunto e de cada uma das vítimas desta política, em termos de instabilidade emocional, desespero, raiva, amargura e sofrimento».

Victor Dias disse, ainda, neste contexto, que «hoje muitos cidadãos à esquerda sustentam que, estando nós numa situação de emergência nacional com traços novos, então são necessárias novas soluções e cartadas mais audaciosas com vista à construção de uma alternativa. A questão é que por mais legítimas ou respeitáveis que sejam estas intenções ou aspirações, ninguém deve fechar os olhos à evidência de que a situação de emergência nacional existe e é nova, mas os factores de bloqueio à sua superação permanecem e são velhos - a saber, designadamente a orientação e política do PS».

Prosseguindo na sua preocupada reflexão opinou que ainda não se tirou o retrato exacto do que se prepara para o futuro próximo que é muito pior do que todas as previsões concretas.

Vamos defrontar-nos com uma situação nova e ainda mais preocupante. "No nosso País milhões de pessoas estão infernizadas por falta de recursos. Esta sociedade vai ficar doente". O orador, preconiza a urgência em adoptar-se medidas novas em tudo diferentes das avançadas pelo governo pelo que «é absolutamente necessário deter imediatamente a política em curso».

Neste quadro, Víctor Dias é de opinião que «a tarefa mais crucial para os próximos tempos, mesmo com perfeita consciência das dificuldades que esse empreendimento envolve, é trabalhar enérgica e denodadamente para que centenas e centenas de milhar de portugueses hoje descontentes com o rumo do País, acedam à compreensão das causas e responsabilidades da actual situação e possam, pela própria participação na luta, ser ganhos para a necessidade de novas escolhas políticas e diferentes opções eleitorais que modifiquem substancialmente a correlaço de forças hoje existente na Assembleia da Repuública».

Já na parte final da sua dissertação, seguida com visível atenção pelos assistentes, Víctor Dias, sorridente deu um sinal de esperança: "vou meter o pessimismo na gaveta e abrir-me ao optimismo". E a concluir: "é preciso que os cidadãos traduzam o seu sofrimento em consciência política e social".

A Palavra do Povo voltou a ter sentido

Medeiros Ferreira começou por lembrar que de certa maneira foi um seareiro já que, em 1965, numa reunião ocorrida na sede da Seara Nova, na rua Luciano Cordeiro, ficou assente a sua participação nas listas de candidatura pela Oposição Democrática "na campanha de unidade e de resistência" e entre 1970 e 1974 colaborou com vários artigos "muito danificados pelos Serviços de Censura e de Exame Prévio" (Medeiros Ferreira continua a honrar as nossas páginas com oportunas colaborações de carácter político). "A Revista serviu-me de fonte histórica para o período crucial em que a Democracia então vigente esteve em perigo, e de que maneira, entre o seu

Medeiros Ferreira

Medeiros Ferreira

aparecimento em 1921 e o início da ditadura em 28 de Maio de 1926".

A propósito, relembrou o papel relevante da Seara Nova na conscencialização cívica e política durante a I República citando um excerto de um artigo de Raul Proença intitulado Ditadura Militar, em 10 de Junho de 1926, ou seja, alguns dias depois do golpe militar que acabaria por abrir as portas à ditadura de Salazar e Caetano:

[...] Combatemos aqui com alguma coragem e energia os crimes dos nossos políticos. Nunca, porém, entramos em movimentos conspiratórios nem defendemos a ditadura militar. Víamos como melhor solução um reagrupamento das forças partidárias e na união de todos os políticos bem intencionados contra um regime de corrupção.

[...] Quando os políticos de um País fecham assim os olhos às realidades, vem fazê-los abrir, para ver as estrelas, a bota de um ditador. A bota que veio foi enorme - enorme e contundente - tem dado pontapés em barda nos políticos, nos militares, na lógica.

Depois desta citação do texto de Raul Proença que, na nossa opinião, convém reler com atenção, Medeiros Ferreira disse que "a Democracia é um sistema frágil, está sempre em perigo", mas não deixou de afirmar que "o 25 de Abril, não garantindo de imediato a Democracia, garantiu uma das melhores, das mais avançadas, Constituições do Mundo Democrático". Para reforçar a sua ideia, esclareceu a sua posição quanto ao que pensa sobre a Democracia e o nosso regime político:

"A Democracia está sempre em risco e cada geração tem de lutar por ela no contexto histórico que lhe foi dado participar. Mais: cada nova geração terá de se aliar a outras para poder iniciar, restaurar ou consolidar um sistema de poder democrático e de aprofundamento das liberdades públicas."

"À minha foi dado lutar contra a ditadura até ao 25 de Abril de 1974 e, depois, erguer um regime democrático consagrado na Constituição da República Portuguesa e nas sucessivas, e às vezes escusadas, revisões. Nem tudo é perfeito no nosso regime - longe disso - mas ainda é um dos melhores que existe no Mundo na hora actual sobretudo no que diz respeito e a prática das liberdades fundamentais, das garantias sociais como a educação e a saúde. Não acentuar esse aspecto pode ser fatal para o futuro."

Recordou seguidamente que a nossa Democracia, quando se consolidou, tomou uma opção externa, o pedido de adesão a CEE de que foi, como ministro dos Negócios Estrangeiros um dos responsáveis, realçando contudo que sempre afirmara que a defesa do regime democrático e das liberdades públicas se tratava, em primeiro lugar, no plano nacional.

A este respeito fez referência a um livro de entrevistas da autoria do jornalista Mário Mesquita, com o título Portugal Sem Salazar, editado em 1973 - e apreendido logo de seguida - onde defendeu "ser ainda o espaço nacional o mais propício para conquistar e manter liberdades no contexto da unificação europeia. Claro que essa afirmação foi feita um ano antes do 25 de Abril e portanto tem quarenta anos de existência. Mas parece-me mais actual do que nunca".

Ao falar da adesão à CEE, evocou o então Primeiro-Ministro da República Francesa, Pierre Mendes France que, no debate havido sobre a ratificação do Tratado de Roma, ocorrido em 18 de Janeiro de 1957, chamou a atenção para um dos perigos a ter em conta na futura arquitectura europeia:

A abdicação de um regime democrático pode tomar duas formas: uma, o recurso interno à ditadura pela entrega de todos os poderes a um homem providencial. A outra, pela delegação desses poderes a uma autoridade exterior, a qual, em nome da técnica, exercerá na realidade o poder político, pois em nome de uma economia sã chega-se facilmente a imposição de uma política monetária, orçamental, social, ou seja, a uma política no sentido mais geral da palavra.

Há já cinquenta e cinco anos Mendes France alertava para a possibilidade do sistema social francês que, na altura, era o melhor da Europa, poder baixar de nível e ficar à mercê dos interesses de grupo da CEE.

Depois de ter citado estas palavras, como que premonitórias, do conhecido político socialista francês e que podem revelar-se para o caso nacional de particular acuidade, Medeiros Ferreira centrou a sua reflexão - não escrita como acontecera com a de Víctor Dias - sobre a situação que actualmente enfrentamos em Portugal. Assim, referiu-se aos protestos populares contra a acção governamental.

"A palavra Povo voltou a ter sentido no dia 15 de Setembro (manifestação popular). O Povo voltou à rua. Somos uma Comunidade que se levanta. Estes são factores de esperança e, neste momento recordo a frase de Jean Jacques Rousseau: O Poder reside no Povo".

Ao analisar o que de conturbado se passa no País a sua opinião e a de que "temos muito que fazer no plano internacional," mas entende que "paradoxalmente desde o 25 de Abril que Portugal não tinha tanta visibilidade como agora devido à dívida soberana. Somos, de novo, um problema internacional. julgamos que é uma fraqueza. Depende do uso que dermos a essa vulnerabilidade."

Ao salientar que a crise foi súbita considera que "caímos numa armadilha: o recurso ao crédito internacional sujeito à subida exponencial das taxas de juro. Delegamos em três instituições - FMI, BCE, EU/União Europeia - elas é que passaram a negociar internacionalmente por nós.

E o próprio Estado que está em causa, como já o Levy Baptista o disse, a Democracia está a ser mutilada, pelo que se impõe a defesa do regime democrático e das liberdades cívicas.

A terminar Medeiros Ferreira, que foi ouvido atentamente por todos de quantos seguiam o seu pensamento, expressou-se nos seguintes termos: "custa-me imenso ver a sociedade portuguesa tratada com tanta injustiça" e as manifestações massivas e pacificas são as melhores, as mais adequadas armas para a defesa da Democracia."

Depois destas intervenções saudadas com fortes aplausos por parte da assistência seguiu-se um animado debate em que participaram diversas pessoas. Do foi dito apresentamos uma breve síntese.

O comandante Simões Teles, homem de Abril, considerou que "efectivamente a democracia está em perigo, fundamentando esta sua afirmação no facto do "Estado, de Direito parecer suspenso, da Constituição estar subvertida, e do País estar nas mãos dos credores" destacando ainda, "a necessidade de se aprofundar o funcionamento democrático dos partidos como a Associação 25 de Abril tem vindo a debater".

O Almirante Martins Guerreiro, outro oficial do Movimento das Forças Armadas que derrubou o fascismo, foi claro ao dizer que "somos nós, como Povo, que temos de fazer o nosso trabalho e não esperar que outros o façam por nós". Quanto à dívida deixou bem visível a sua opinião: "o problema e tão sério como o foi a Guerra Colonial porque envolve toda a sociedade. Os juros especulativos são, de longe, uma das principais causas da situação grave que atravessamos pela que tudo passa pela sua renegociação. Que os políticos saibam negociar é o que se lhes exige para se acabar com a exploração dos portugueses que estão a pagar a dívida por várias vias como seja através das privatizações e da desvalorização do trabalho".

Aquele militar de Abril foi ainda claro ao considerar que "só a movimentação popular, e o 15 de Setembro foi uma boa prova disso, pode obrigar a uma mudança de atitude e de política por parte de governantes medíocres que estão a destruir o Estado".

O escritor Modesto Navarro recordou as figuras de dois seareiros, o Dr. Ulpiano Nascimento e o Engº Blasco Hugo Fernandes com quem trabalhou no Conselho Redactorial da Seara Nova para, em seguida, relembrar a situação vivida na década de 60 do século passado quando "os avanços económicos se ficaram a dever às remessas dos emigrantes, a Guerra Colonial, a abertura a indústria e ao investimento estrangeiro" . Com a entrada na CEE salientou que se sacrificou a industrialização, a agricultura e as pescas. Sobre o momento actual avisou para os perigos que o País correra se a renegociação, que defende ser urgente, não for bem feita.

Sobre o exercício do Poder pôs em relevo as falsas promessas dos partidos em épocas eleitorais e a prática política posterior que não as cumpre e criticou o ambiente de corrupção existente em diversos sectores para, chamar a atenção para a forma límpida e democrática como o general Vasco Gonçalves actuou quando dirigiu vários governos, em tudo diferente ao que se verifica na actualidade.

Criticou, ainda, o comportamento do ministro da Administração Interna que "deliberadamente impediu, durante cerca de duas horas, a polícia de travar os desacatos e provocações de desordeiros, que se imiscuíram na cívica e patriótica manifestação organizada pela CGTP junto à Assembleia da República, com o intuito claro do governo aproveitar a hora dos telejornais. Só então deu ordem à PSP para carregar sobre os manifestantes. "Caiu a máscara a esse ministro e ao governo em geral".

Modesto Navarro trouxe a colação a luta da Oposição durante a Ditadura para reforçar a opinião de que "se tivemos força para afastar os fascistas, temos de nos unir mais para afastar estes políticos que estão organizados para destruir não só o Estado Social como o Estado Democrático."

A sindicalista Drª Deolinda Machado, ao usar da palavra, também considerou que "a Democracia corre riscos evidentes" e, quase como num grito de revolta, enfatizou: "não podemos deixar afundar um País que tem oito séculos de Historia".

Lamentou que tantos jovens, bem preparados, sejam obrigados a abandonar as suas famílias para, não encontrando emprego, serem obrigados a uma onda de emigração injusta e impensável de aceitar no nosso regime político. A figura do Presidente da República, a quem classificou como sendo um dos principais responsáveis pela situação dramática para que o País foi lançado, mereceu de Deolinda Machado severas críticas devido à forma distanciada como se comporta perante a instabilidade social existente.

Um verdadeiro desafio foi lançado por Deolinda Machado a todos os democratas a quem convidou para enveredarem por uma eficaz unidade susceptível de criar as condições para arredar definitivamente o governo e todos quantos estão a subverter os valores democráticos de Abril tendo destacado que "eles, o governo, os partidos de direita, os exploradores capitalistas tem medo que o Povo perca o medo". Destacou o papel desempenhado pela CGTP, de que é dirigente, que não tem regateado esforços no sentido de unir trabalhadores para todos, em conjunto, concorrerem para travar a política neoliberal do governo. Na sua alocução falou ainda, dos problemas existentes na Comunicação Social nomeadamente na Agência Noticiosa LUSA, e alertou para a entrega "aos amigos capitalistas de empresas como a ANA ou a TAP." Quanto à Troika, Deolinda Machado insurgiu-se pelo facto do governo negociar com estes três técnicos e funcionários das instituições financeiras em lugar de negociar com os políticos com os governos.

Outros assistentes tiveram também curtas intervenções como o Dr. Manuel Veiga que teceu diversas considerações sobre a Democracia e sobre o seu funcionamento concluindo que o capitalismo, através do governo PSD/CDS está a ajustar contas com o 25 de Abril, como já a...

Por seu turno, o Engº João Vicente resumiu a situação das micro, pequenas e médias empresas - a cuja direcção da respectiva Confederação pertence - a viverem momentos de grande angústia já que são as primeiras a sofrerem as consequências da acção antidemocrática do governo, o que faz engrossar o número de falências mais de dezassete mil só este ano e de desempregados.

Para encerrar o debate, Medeiros Ferreira definiu como prioridade a necessidade de um novo tipo de governo e de política para se sair da grave dificuldade que o País atravessa de forma a recuperarmos a nossa capacidade de decisão e a nossa soberania democrática.

"Só mudando de governo, de mentalidade, de filosofia negocial é que se tornará possível encontrar soluções para os problemas no estrito respeito pela Democracia." Aproveitou na oportunidade para lembrar que o Orçamento de Estado é um mau orçamento, que a execução orçamental será pior pelo que a meio do próximo ano, este governo, se ainda estiver em funções mostrará ainda mais a sua incapacidade.

Sobre a União Europeia expressou a opinião que atravessa uma flagrante crise com a prevalência de egoísmos nacionais que prejudicam a ultrapassagem dos problemas que afectam cada vez mais países. "Impõe-se uma mudança rápida no comportamento dos grandes Estados europeus, assim como, se exige uma mudança da atitude subserviente de Portugal, ao contrário do que, por enquanto, sucede com a Espanha que, apesar de ser conservadora o governo resiste às exigências de Bruxelas e de Berlim.

Classificando o Presidente da República como um ortodoxo e um político conservador, lembrou a figura de Hintze Ribeiro que soube fazer uma renegociação da dívida em consequência da bancarrota em que Portugal caiu em 1891 e 1892 " Importa retomar idêntica iniciativa e recuperar a liberdade de acção".

E com ênfase, terminou as suas palavras acentuando a imperiosa necessidade de se preservar o regime democrático, e afastar os perigos que ameaçam a Democracia.

Víctor Dias centrou a sua intervenção final na questão da "crise". Fala-se sempre da crise, crise essa que é um pretexto para se impor uma política de austeridade que já não se pode suportar à custa da "crise" criada pelo sistema capitalista, avança o governo por uma diminuição das indemnizações por despedimento que baixaram para níveis idênticos ou inferiores ao tempo do fascismo. Esta acção do governo, de se aproveitar da crise para usurpar direitos aos trabalhadores nada tem a ver com a dívida soberana.

"A crise constitui um espaço de manobra para um claro ajuste de contas da direita contra as conquistas democráticas, enfim, contra a Democracia."

«E rapidamente se envereda pela atomização das relações de trabalho, na destruição do sentimento de unidade de mitos colectivos e na transformação dos trabalhadores em meros automatizados com as contratações colectivas a deixarem de ser da responsabilidade dos sindicatos, mas sim de comissões de trabalhadores que sofrem duras pressões do patronato e, por isso, são mais facilmente manipuláveis.»

«Hoje em dia, considera Víctor Dias, a democracia ficou empobrecida com a perda da soberania popular. Existe um sentimento do (s) Povo (s): a gente vota, mas decide pouco. A ideia que prevalece é que quem governa é Bruxelas. Hoje, o mundo da política não atende à qualidade, à substância.»

Na parte final da sua intervenção salientou "há, sem dúvida, um perigo enorme para a Democracia. Desde Jacques Delors - antigo presidente da Comissão Europeia - que o caminho foi pensado passo-a-passo para a inquietante corrente pró federalismo. Existe um mito de que o Parlamento Europeu é magnífico mas as forças políticas representadas naquele areópago são as mesmas que elegem o Conselho Europeu".

Víctor Dias aludiu às duas últimas sondagens devastadoras para o processo de integração europeia e para as instituições europeias e que 40% dos europeus tem opinião negativa sobre o Euro.

"Isso dá-me alguma esperança de que o federalismo venha a sofrer algum atraso"

No final da Conferência, Levy Baptista congratulou-se com o nível das intervenções e agradeceu a disponibilidade sincera de Medeiros Ferreira e de Víctor Dias que acolheram com sinceridade o convite que lhes foi formulado pela Seara Nova.

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