Comunicação Social e Poder

Nº 1747 - Verão 2019
Publicado em Editorial por: Revista Seara Nova (autor)

"Não há apenas um sistema formal de poder – o tradicional poder de Estado - mas uma multiplicidade de sistemas de poder, disseminados no interior da sociedade, muitos dos quais meros poderes fácticos, quer dizer, sem qualquer estrutura (visível) que os suporte."

 


"O poder de Estado tem assumido o lugar por excelência do exercício do poder. Compreende-se. O Estado, nas sociedades politicamente organizadas, detém o monopólio da violência. É o único sistema de poder que se pode impor pela força e pelo constrangimento físico. O poder Estado é essencialmente coercivo."

 


"O que importa é isolar e atomizar o individuo, alienar a sua condição de cidadão, inibir a sua autonomia, frustrar a fecundidade da participação social."

 

 

 

 

 

 

 


"Não podemos deixar de nos interrogar se tal demissão dos órgãos da comunicação social públicos, no sentido de elevar a qualidade da nossa vivência democrática se fica a dever à dificuldade em criar os meios e os mecanismos indispensáveis para tal desígnio democrático, ou se, pelo contrário, se não representará manifesta falta de vontade política para fomentar o exercício dessa função fundamental."

 


"Mas não estamos condenados. Sabemos que não há poder que não tenha resistência e, ao resistir, outras formas de poder são criadas. É, pois, urgente assumir a nossa condição de cidadãos livres e responsáveis."

A articulação dos interesses económicos dominantes, instância última onde reside o verdadeiro rosto do Poder, tem diversas configurações no quadro de funcionamento da sociedade actual, marcada pelo processo de globalização capitalista.

O que significa, em primeiro lugar, que não há apenas um sistema formal de poder – o tradicional poder de Estado - mas uma multiplicidade de sistemas de poder, disseminados no interior da sociedade, muitos dos quais meros poderes fácticos, quer dizer, sem qualquer estrutura (visível) que os suporte.

Significa também que nenhum sistema de poder é, em si mesmo, autónomo e independente dos restantes: os diversos sistemas de poder desdobram-se uns nos outros, funcionando em rede, retroagindo nos respectivos chamamentos e interpelações. Decorre, portanto, que o poder não é simplesmente o “lugar de poder” que se observa, se ocupa e se conquista, mas é, sobretudo, “relação de poder” que, ou se exerce, ou se suporta – não há poder, sem exercício do poder.

O poder de Estado tem assumido o lugar por excelência do exercício do poder. Compreende-se. O Estado, nas sociedades politicamente organizadas, detém o monopólio da violência. É o único sistema de poder que se pode impor pela força e pelo constrangimento físico. O poder Estado é essencialmente coercivo.

Outros sistemas de poder actuam, porém, na sociedade, tais como o designado “poder mediático”.

É na propagação de uma ideologia que o “poder mediático” se realiza. Poder mediático que excede o papel dos órgãos da comunicação social e quadro do constitucional direito à informação, para envolver a indústria do entretenimento, as agências de comunicação, a publicidade, o marketing, o consumo, o sistema de moda, o desporto e outros mais. Uma vasta panóplia de meios, cujo fito é sempre o mesmo: a “neutralização” dos cidadãos, mediante a aceitação acrítica da ideologia dominante, que insistentemente proclama a “inevitabilidade” da vida quotidiana, sem qualquer hipótese de remissão ou alternativa.

O que importa é isolar e atomizar o individuo, alienar a sua condição de cidadão, inibir a sua autonomia, frustrar a fecundidade da participação social.

Neste contexto, se deverá enquadrar a importância do direito à informação constitucionalmente consagrado e o papel dos órgãos da comunicação social e, em especial, a Radiotelevisão Pública, pelo impacto da televisão, como meio de comunicação social de massas e, sobretudo, porque sendo “públicos”, a televisão e rádio não poderão estar ao serviço de interesses particulares, mas antes deverão prestar aos cidadãos informação isenta e assegurar o pluralismo de opinião, tantas e tantas vezes postergado, em nome de alegados “critérios jornalísticos” ou “oportunidade de agenda”.

De facto, no art.º 38, n.º 6 da Constituição da República Portuguesa dispõe que “A estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião”.

A questão da independência e funcionamento dos órgãos da comunicação social públicos e, em especial, a falta de isenção e rigor não é de agora. Revela-se, porém, hoje em dia, cada vez mais urgente, porquanto, genericamente, a actividade dos órgãos da comunicação social públicos é exercida muito pouco de acordo com o seu papel no funcionamento do regime democrático, se não mesmo em afrontosa derrogação dos preceitos constitucionais.

De facto, os órgãos de comunicação social públicos, para além da sua condenável discriminação no que respeita à possibilidade de acesso e de expressão plural das diversas correntes de opinião, de que há muito se demitiram, deixaram, em consequência, de poder contribuir para maior exigência da sociedade no funcionamento da democracia, bem como de promover o sentido crítico dos cidadãos.

A este propósito não podemos deixar de nos interrogar se tal demissão dos órgãos da comunicação social públicos, no sentido de elevar a qualidade da nossa vivência democrática, se fica a dever à dificuldade em criar os meios e os mecanismos indispensáveis para tal desígnio democrático, ou se, pelo contrário, se não representará manifesta falta de vontade política para fomentar o exercício dessa função fundamental.

A quem serve tal estado de coisas? Quem aproveita? Com mais ou menos variações de forma, parece não merecer grande dúvida que quem tem aproveitado da situação são aqueles que, ao longo das últimas décadas vêm alternando no poder, ao serviço, no essencial, dos mesmos interesses económicos. Não será, pois, certamente por sua iniciativa que veremos alterar-se o estado das coisas.

Mas não estamos condenados. Sabemos que não há poder que não tenha resistência e, ao resistir, outras formas de poder são criadas. É, pois, urgente assumir a nossa condição de cidadãos livres e responsáveis.

Trata-se afinal de exercitar os nossos direitos e de os fazer valer. Ninguém fará por nós o que a nós compete. E sempre assim foi ao longo da história.


É desesperante a situação em que Portugal se encontra.

São preocupantes os aspectos e indicadores financeiros, económicos, sociais, mas é limitativo confinar a tais planos a gravidade da situação actual do nosso País. No entanto são tais indicadores que em primeira análise dão a exacta medida das nefastas políticas que têm sido adoptadas e da fraca qualidade dos governantes que têm estado à frente dos destinos deste País, bem como das distorções do sistema económico em que estamos inseridos.

Dizemos que é limitativo, porque a degradação da sociedade portuguesa – e igualmente da europeia – é grave noutros planos, como o político, em que a democracia está restringida a aspectos formais, sempre mais limitados; como o cívico, onde o envolvimento das populações e dos cidadãos individualmente considerados nos destinos do País é cada vez menor, porque menos estimulado ou menos apoiado (caso do movimento associativo); como o cultural, onde apesar de muitas e interessantes manifestações, estas se destinam predominantemente a elites e os estímulos junto dos mais jovens são muito reduzidos; como o ético, com os exemplos pouco edificantes dos representantes dos poderes em casos de corrupção conhecidos ou suspeitados, com o desprestígio da justiça, provavelmente consequência principal de legislação inadequada, mas cuidadosamente elaborada para discreto benefício dos poderosos; e com os valores dominantes do sucesso individual sem olhar a meios, do individualismo exacerbado, da aceitação propagandeada de uma sociedade de injustiça e desigualdade social, temperada de uma caridadezinha quanto baste.

Haverá uma saída a curto / médio prazo?

Olhemos sucintamente os planos financeiro, económico e social: uma dívida externa elevada, pública, mas principalmente privada, com a banca descapitalizada (apesar das ajudas); um aparelho produtivo a ser extensa e servilmente destruído, desde o primeiro governo de Cavaco Silva; um mercado interno em retração, provavelmente cada vez mais acentuada dado o ataque aos direitos laborais e o crescimento do desemprego; a errada opção de privilegiar as exportações, constrangidas pela estagnação europeia; as dificuldades e ausência de apoios suficientes às pequenas e médias empresas, cujo peso é determinante no tecido produtivo do país; um desemprego descontrolado; a diminuição da parte dos salários no rendimento nacional; o nível muito baixo das reformas e o crescimento das manchas de pobreza.

A culminar tudo isto, uma política cega pela vulgaridade do neoliberalismo, sob a inadequação e malvadez das receitas da troika FMI/UE/BCE, condicionada pela inexperiência dos governantes e submetida às ordens das maiores potências europeias e a um patronato que ainda vegeta em ideias do século XIX.

Mas o descontentamento vai aumentando. Seria impensável que assim não fosse: a política em curso ofende as expectativas e os direitos de trabalhadores, de jovens e de idosos, dos estudantes, das forças de segurança e das forças militares, dos pequenos e médios empresários e de todos os sectores do funcionalismo público.

O que há de novo é que a resignação vai dando lugar à contestação e ao protesto.

Aí estão a comprová-lo as manifestações, concentrações, vigílias, abaixo-assinados e petições, vaias aos governantes e ao PR nas suas deslocações, contestação crescente na blogosfera. E acima de tudo a enorme manifestação sindical de 11 de Fevereiro, que no dizer da CGTP-IN transformou o Terreiro do Paço em “Terreiro da Luta” e a coragem desta em convocar uma greve geral para 22 de Março.

Esta luta alargada pode impor que a política nacional responda às reais necessidades do nosso País, na correcção dos desequilíbrios antes assinalados, em vez de estar subordinada à troika - instrumento do grande poder financeiro.

É isto possível na União Europeia e no espaço do euro?

A integração europeia sempre foi um projeto do grande capital europeu. Mas incorporou ideais democráticos e a defesa dos valores da liberdade, instituiu o modelo social europeu, inscreveu como seus princípios a coesão económica e social e a harmonização no progresso. Outros povos europeus – gregos, espanhóis, franceses, irlandeses, ingleses, belgas – lutam contra a actual política retrógrada imposta pela UE e respectivos governos. Os portugueses não estão sós na sua luta; e hão-de estar determinados a não seguir o caminho que nos esperará se continuarmos a deixar que aqui se reproduzam as selváticas medidas impostas ao povo grego.

Por cá, na Seara Nova, vamos dando o contributo possível na defesa dos valores democráticos, na promoção da cultura, na exigência de justiça social, na denúncia da política que não olha aos interesses do povo, tudo em respeito das tradições nobres desta revista de 90 anos.

Estamos a comemorar o 90.º Aniversário em justa homenagem aos que construíram e mantiveram esta revista, sempre num plano elevado que a colocam como uma referência da nossa democracia e da história portuguesa do século XX.

Dentro das comemorações “90 Anos Seara Nova” este é o terceiro número da revista que dá destaque ao 90.º Aniversário. Já realizámos duas Conferências Seara Nova, sob os temas “O Projecto Seara Nova” e “Leituras da Crise”, que foram assinaláveis êxitos, pela qualidade das intervenções dos oradores, pelo número de presenças e pela elevação dos debates. Inauguramos no Palácio Galveias, gentilmente cedido pela Câmara Municipal de Lisboa, a Exposição Itinerante que tem por título “90 Anos de Intervenção Cívica e Cultural”, onde se manterá até ao final de Abril.

Entre outras iniciativas, está em preparação a 3.ª Conferência, sobre Comunicação Social, prevista para finais de Maio e organiza-se a lista das entidades e locais por onde circulará a Exposição. Esperamos contar com a presença dos nossos assinantes e leitores.

Nestas ações temos o apoio de uma Comissão de Honra, identificada noutro local desta revista e o patrocínio institucional da Câmara Municipal de Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Casa Museu Abel Salazar, Fundação Mário Soares e Fundação José Saramago.

As comemorações do 90.º aniversário da Seara Nova têm igualmente servido para divulgar a revista e é com agrado que registamos o número crescente de visitas ao sítio da internet inaugurado no âmbito destas comemorações e os quase 2.000 amigos que nos seguem no facebook.

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