Factos & Documentos

Nº 1748 - Outono 2019
Publicado em Factos e Documentos por: Revista Seara Nova (autor)

Brasil

A eleição de Jair Bolsonaro é vista por Luedji de forma clara, mas muito peculiar: “A gente está num contexto político muito complicado. Mas a vitória desse presidente, que não é o meu presidente, mas é o actual presidente, é o reflexo dos avanços que as minorias conquistaram durante esses anos, por pressão dos movimentos sociais.” Na música brasileira, por exemplo, Luedji diz que há hoje “outras referências de cantoras”: “A gente tem cantora negra, compositora negra, trans, gay, etc. A gente encontrou brechas no governo anterior para conseguir se espraiar, ter visibilidade, para pautar a nossa arte pelo que é necessário e precisa ser dito. Então como reacção (‘esse país tá muito preto, muito gay’), isso começou a gerar um incómodo numa categoria do Brasil que sempre existiu. O racismo sempre existiu, o neo-nazismo e a LGBT-fobia também, mas eles não deram conta do nosso avanço. É mais resposta do que vitória.”

Nuno Pacheco

Público, 11 de Julho de 2019

 

Banalização do racismo

Os intelectuais da banalização do racismo dão voz a medos, a preconceitos e à ignorância que já existiam na sociedade. Renegam assim o que deve ser a sua função social, a de colocar a sua inteligência e saber ao serviço da verdade e da análise da complexidade das sociedades. Hoje, quando tantos são vítimas da vaga de populismo racista que atravessa a Europa e Trump lança uma campanha racista para ser reeleito, o que se espera dos intelectuais é que sejam generosos e solidários com os que sofrem. Não que os agridam com a violência da sua linguagem.

Álvaro Vasconcelos

Público, 24 de Julho de 2019

 

Direitos Humanos

As consequências para o novo debate em torno dos direitos humanos são imensas, mesmo que estes tenham sido violados e continuem a ser violados praticamente em todo o mundo. Mas existe hoje uma consciência universal de direitos que coloca regimes autoritários na defensiva do que diz respeito a justificação da destruição de princípios democráticos. É esta atitude de abertura e hospitalidade perante outras culturas que nos deverá estimular no presente e no futuro, em lugar de mantermos uma visão virada para um passado mitificado que ignora ruturas, lutas e conflitos entre perspetivas completamente diferentes.

Francisco Bethencourt

Público, 30 de Julho de 2019

 

Discriminação racial

Os principais argumentos que sustentam a crítica à queixa-crime têm sido o de que um “mau argumento” deve ser combatido com um “bom argumento”, e que o que estaria em causa seria o mero exercício da liberdade de expressão de MFB (Maria de Fátima Bonifácio). Invariavelmente, quem invoca tais considerandos nunca releva a dignidade, honra e consideração dos/as africanos/as e ciganos/as atingidos/as com as palavras livremente expressadas por MFB; mas demonstra, sim, alguma ignorância sobre aquilo que constitui a liberdade de expressão. Nos termos do n.º 1 do artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa, “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio […].”. Esta norma não foi violada – efetivamente, MFB teve toda a liberdade para escrever o que quis, não tendo sido censurada. Mas os n.º 3 e o n.º 4 do artigo 37.º da CRP também referem o seguinte: “As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”, e “A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos”. Em 2017, o artigo 240.º do Código Penal, que prevê e pune o crime de discriminação racial, sofreu uma importante alteração: para que este se considere praticado, deixou de ser necessário que a declaração pública de injúria e difamação seja efetuada com a intenção de incitar à discriminação ou de a encorajar. Basta que alguém, publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação, venha a difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica.

Joana Cabral, José Falcão, Mamadou Ba, Nuno André Silva

Público, 5 de Agosto de 2019

 

Jogo do Empurra

A questão fundamental da situação não tem a ver com as chamadas «políticas de imigração» deste ou daquele governo da União Europeia; não nasceu por geração espontânea depois da entronização de executivos que já se assumem abertamente como xenófobos, depois de outros lhes franquearem o caminho praticando, de forma encapotada, essa mesma política. Outra vantagem que têm os barcos errando pelo Mediterrâneo recolhendo náufragos – além de salvar vidas – é a de exporem, para quem quiser ver, o vergonhoso e desumano jogo do empurra a que se dedicam todos os governos dos países da União Europeia, tenham costas marítimas na zona de crise ou não, sejam socialistas ou sociais-democratas, direitistas, nacionalistas ou mesmo fascistas.

José Goulão

Abrilabril, 22 de Agosto de 2019

 

Branqueamento de um regime

O que diz respeito à saudade de Salazar não é opinião, é desfaçatez. Não é exercício democrático, é branqueamento de um regime que assassinou, torturou, mentiu e empobreceu os bolsos e os espíritos dos portugueses e de todos os povos de que os portugueses tiveram a ilusão de ser proprietários. O museu que tinha de haver era o que se perdeu com a sede da PIDE. Aí, sim, haveria de se espanar o saudosismo. A simples ostentação daquelas portas e daquelas paredes serviria para se contar a História a partir do prisma da decência; aquele que imediatamente diz que nenhum poder se pode arrogar a perseguir os seus opositores. Ninguém nos pode voltar a diminuir na liberdade de pensamento e de expressão. Não nos podem matar.

Valter Hugo Mãe

Jornal de Notícias, 25 de Agosto de 2019

 

Maioria absoluta - I

Ninguém se esqueceu em Portugal que as maiorias absolutas pretéritas do PSD e do PS significaram arrogância e autoritarismo, privatizações obscuramente negociadas dos sectores estratégicos da economia, ataques devastadores ao emprego e aos direitos do trabalho, corrupção e promiscuidade atravessando horizontalmente a banca, os negócios e a política, tudo a desaguar no colapso financeiro, na troika e no memorando de entendimento com ela preparado por aqueles dois partidos, a magna carta da austeridade.

Fernando Rosas

Público, 27 de Agosto de 2019

 

Maioria absoluta - II

Nem se diga, como sugere António Costa ao Expresso, que o risco de recessão económica enfatiza a necessidade de um governo “seguro”, isto é, de maioria absoluta. O certo é que não há nada de menos seguro para o emprego, para os direitos de quem trabalha, para os pensionistas, para o Estado Social, do que um governo de maioria absoluta do PS ou da direita a gerir uma eventual crise. Pela simples razão, como a história recente da Europa demonstra (em França, na Alemanha, na Itália, em Espanha…), que nada de essencial separa a austeridade dos partidos socialistas no poder da dos governos da direita. Afinal foi o Governo do PS e do Eng.º Sócrates que chamou a troika e se entendeu com ela. O Governo PSD/CDS agravou o que já fora começado. Se há situação em que o condicionamento à esquerda da governação se torna mais urgente e necessária é precisamente para enfrentar com equilíbrio e justiça social uma situação de crise.

Fernando Rosas

Público, 27 de Agosto de 2019

 

Amazónia

No mês que passou, 29.944 quilómetros quadrados da Amazónia vestiram a cor da cinza. Ou seja, recorrendo à medida universal que alguém escolheu para ajudar a decifrar vastas áreas castigadas, o fogo queimou o equivalente a 4,2 milhões de campos de futebol. Os números são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Expresso, 5 de Setembro de 2019

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