O controlo público da banca é uma necessidade estrutural

Nº 1735 - Primavera 2016
Publicado em Nacional por: Octavio Teixeira (autor)

A desregulamentação dos sistemas financeiros resultou num aumento desproporcionado do peso do setor bancário e na financeirização da economia, na concentração bancária geradora de bancos de grande dimensão, com elevado risco sistémico, levando os Estados, os contribuintes, a socorrê-los em caso de insolvabilidade e na profunda alteração das caraterísticas da banca tradicional que consiste em receber depósitos e conceder crédito, ganhando peso e importância relativa as atividades essencialmente especulativas da "banca de investimento".

A nível internacional isso resultou em graves crises dos sectores bancários despoletando a crise financeira de 2008 que desembocou na profunda crise económica e social de que o mundo ainda se não livrou e em que a Europa continua a afundar-se.

Face à irresponsável e criminosa especulação de todo o lado se ouviu então a proclamação da necessidade de proceder à regulação e à reestruturação dos sistemas financeiro e bancário.

A verdade é que passados oito anos nada foi feito nesse sentido. Tudo está como dantes, com os bancos a reconstituírem os lucros e os contribuintes a pagarem os prejuízos dos "bad banks", com os banqueiros a mostrarem o seu voraz e ilimitado apetite e com a especulação a atacar as próprias dívidas de Estados soberanos.

As aparentes promessas perderam-se pelo caminho e na generalidade os Governos mantêm-se reféns do sistema financeiro em geral e do bancário em particular. Essa inacção politicamente voluntária mostra a natureza fundamentalmente irreformável do sistema bancário tal como existe.

Ora, a criação de moeda é uma prerrogativa soberana do Estado. E moeda não é apenas as notas e moedas, mas também a chamada moeda escritural criada pelos bancos comerciais e que é muitíssimo maior que as notas e moedas emitidas pelos bancos centrais; e o sistema de crédito é "o coração que faz circular o sangue que alimenta e permite o funcionamento das economias".

Por isso quer a moeda quer o sistema de crédito são bens públicos. Tal como é um bem público a confiança nos dois. E essa confiança, maior ou menor, só existe devido à garantia do Estado.

Ora, se se trata de bens públicos é o Estado que os deve deter e gerir.

Se há sectores estratégicos, e há, o sector bancário é de todos eles o mais estratégico.

Bancos privados transformados em sujas lavandarias

Os bancos privados têm demonstrado que estão cada vez menos virados para o apoio à economia e à sociedade, e cada vez mais transformados em sujas lavandarias que promovem a evasão fiscal e o branqueamento de capitais, e continuam a especular delapidando a utilidade social das poupanças dos cidadãos.

O que se tem passado em Portugal é disso demonstrativo.

Segundo a Associação Portuguesa de Bancos, nos últimos anos os bancos a operarem no País registaram uma destruição de valor (medido pelos activos consolidados) de 100.000 milhões de euros, com as imparidades a montarem a 40.000 milhões. E ninguém sabe quando se poderá ver o fundo do saco, pois a falta de transparência não nos diz a quanto montam os activos tóxicos ainda presentes nos balanços.

Por outro lado os "coco" (obrigações convertíveis ou capital contingente) significaram a injecção pública de muitos milhares de milhões de euros para recapitalizar os bancos, com o Estado a substituir-se aos banqueiros para suprir o resultado das suas irresponsabilidades e dos seus crimes, e os custos suportados pelo Estado (pelos contribuintes), segundo o INE, montam já a 12.552 milhões. E é claro que ainda mais estará para vir.

Tudo isto mostra que a moeda e o sistema de crédito são demasiado importantes e sérios para serem deixados nas mãos de banqueiros. Não pode ser permitido que a função essencial de concessão de crédito à economia seja suplantada pela especulação financeira e que os enormes custos daí decorrentes tenham depois de ser pagos pelo Estado e pelos cidadãos.

Acresce que é hoje claro que a estratégia do BCE e da Comissão Europeia é a criação de uma rede de alguns poucos grandes bancos (os tais demasiado grandes para os Estado os poderem deixar falir) com presença na totalidade do território da zona Euro. E que nessa repartição dos domínios regionais está a subordinação de Portugal aos grandes bancos espanhóis. Aparentemente com a aquiescência do Governo. O que sucedeu com o Banif é disso sintomático. Tal como o é a desblindagem dos estatutos do BPI que objectivamente facilita o controlo exclusivo espanhol do BPI.

Ora, o problema central dessa estratégia não é se os bancos a que nos deveremos submeter sejam espanhóis ou de qualquer outra nacionalidade. O problema é que ela visa eliminar ou reduzir ao mínimo os sistemas bancários de base nacional, o que é desastroso para os interesses de Portugal. Aliás, se esta estratégia não for travada e o Governo não alterar a sua posição, ninguém se admire que, a pretexto das "ajudas de Estado", o BCE e a Direcção-Geral da Concorrência não autorizem a necessária recapitalização da CGD pelo Estado e imponham a sua privatização parcial, com a complacência do Governo.

Nacionalizar é necessário, mas não basta

Há 41 anos a nacionalização da banca em Portugal correspondeu a uma necessidade estrutural. Essa necessidade estrutural continua a fazer-se sentir hoje. Não é admissível que o Estado continue a nacionalizar os custos e os prejuízos da banca privada. O que é necessário é nacionalizar os bancos na sua integralidade.

Sendo realista, é evidente que o contexto em que vivemos não o permite. Mas devemos aproveitar todas as oportunidades para legitimamente alargar o polo público bancário, através de nacionalizações directas ou de controlo do seu capital.

E essas oportunidades já existiram e continuam a existir.

O anterior Governo podia e devia tê-lo feito com a injecção dos "coco" ou quando da resolução do BES.

O actual Governo já o poderia e deveria ter feito com o Banif, até porque o Estado era o seu maior acionista. (É para mim incompreensível que o Governo tenha transferido para a órbita pública prejuízos que podem ascender a 4 mil milhões, e tenha oferecido o "bife" ao Santander por 150 milhões que, passados 15 dias o inscreveu no seu balanço uma mais-valia de 280 milhões com essa aquisição.

É inadmissível que isto venha a repetir-se com o Novo Banco. O Governo tem o dever indeclinável de manter o Novo Banco em mãos portuguesas. E isso só pode fazer-se com a sua nacionalização.

Os custos dessa nacionalização já foram assumidos pelo Estado português, via Fundo de Resolução. Porque é uma falácia dizer-se que tais custos virão a ser suportados pelo restante sector bancário. O Estado já lá meteu 3.900 milhões. E as contribuições anuais dos bancos para o Fundo não ultrapassam os 40 milhões/ano. O que significa que seriam necessários 100 anos para pagarem ao Estado os 3.900 milhões que lá meteu.

Nacionalizar é necessário, mas não basta. E a CGD é disso exemplo. É preciso socializar os bancos públicos. Isto não significa que neles não deva haver autonomia de gestão. Mas como em qualquer outro banco deve ser o accionista a definir as orientações estratégicas que os seus bancos devem prosseguir, a bem do desenvolvimento do país e da soberania nacional, impondo-lhes, por exemplo, a proibição de investirem em derivados financeiros e de operarem com paraísos fiscais e a obrigação de investirem uma percentagem dos seus activos em títulos de dívida pública.

Ver todos os textos de OCTAVIO TEIXEIRA